Cantigas

Dom Dinis

O rei D. Dinis (1261-1325) foi um dos monarcas mais importantes de toda a história de Portugal. Culto e letrado, ele deixou uma marca indelével nos mais variados campos da governação. Não contente com isso, D. Dinis foi também um notável trovador, à semelhança, aliás, do seu avô materno, que foi Afonso X, rei de Leão e Castela (1221-1284), cognominado “O Sábio”.
Presentemente, conhecem-se 137 poemas escritos por D. Dinis: 73 cantigas de amor, 51 cantigas de amigo e 10 cantigas de escárnio e maldizer. Não é por acaso que estes poemas se chamam cantigas. Chamam-se cantigas porque foram escritos para serem cantados. Mas até ao ano de 1990 não se conhecia a música correspondente a nenhum deles. Por isso, quando se pretendia cantar uma das cantigas do rei-trovador, adaptava-se-lhe a música de um outro autor seu contemporâneo.
Beneficiou a literatura e mandou traduzir livros latinos e árabes, inclusive a Geografia de Razis. Adotou o vernáculo nos documentos oficiais e, com o apoio do Papa, criou a primeira universidade portuguesa (1290), que funcionou entre Lisboa e Coimbra, até se fixar nesta última cidade como a famosa Universidade de Coimbra. Começou a usar-se a língua portuguesa nos documentos escritos e foi o primeiro rei português a assinar os seus documentos com o nome completo. Provavelmente o primeiro rei português não analfabeto, foi poeta e protetor de trovadores e jograis e também apelidado de O Rei-Poeta ou O Rei-Trovador pelas cantigas que compôs e pelo desenvolvimento da poesia trovadoresca a que se assistiu no seu reinado. Compôs cerca de 140 cantigas líricas e satíricas, e permaneceu no poder até sua morte, em Santarém, e está sepultado no Convento de São Dinis, em Odivelas. Apesar de ser um bom rei, os últimos anos do seu reinado foram marcados por conflitos internos. O herdeiro, futuro D. Afonso IV, achou que o rei favoreceria seu filho bastardo, Afonso Sanches, e entrou em conflito com o pai, mas não chegou a haver guerra civil.
Cantiga de Amor por D. Dinis, “Ai senhor fermosa, por Deus“:
Ai senhor fremosa! por Deus
e por quam boa vos El fez,
doede-vos algũa vez
de mim e destes olhos meus
que vos virom por mal de si,
quando vos virom, e por mi.

E porque vos fez Deus melhor
de quantas fez e mais valer,
querede-vos de mim doer
e destes meus olhos, senhor,
que vos virom por mal de si,
quando vos virom, e por mi.

E porque o al nom é rem,
senom o bem que vos Deus deu,
querede-vos doer do meu
mal e dos meus olhos, meu bem,
que vos virom por mal de si,
quando vos virom, e por mi.

Por Johny Andrade

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D. Afonso X e “As Cantigas de Santa Maria”

D. Afonso X, rei de Leão e Castela, é tido pelos historiadores como um grande incentivador da cultura na Península Ibérica no século XIII, um mecenas de sua época. Sob seu auspício ocorreu uma grande revolução cultural no Reino de Castela. Sob seu mecenato foram impulsionados os conhecimentos de sua época em várias áreas do saber, recebendo em seu scriptórium , em Toledo, sábios e artistas de diferentes procedências e das três culturas então reinantes na Península Ibérica: a cristã, a judaica e a muçulmana. A Afonso X creditam-se obras jurídicas, históricas, científicas ou pseudocientíficas, assim como obras sobre técnicas e lazeres, escritas em prosa castelhana. Mas também lhe são atribuídas obras literárias, ou melhor, poéticas, escritas em galego-português. Não admira, pois, que por toda parte se tenha atribuído a tão erudito monarca o cognome de “O Sábio”, reconhecido no Ocidente europeu.

As Cantigas de Santa Maria

Descrição

As Cantigas de Santa Maria são um conjunto de 427 composições em galaico-português, que no século xiii era a língua fundamental da lírica culta em Castela. Foram patrocinadas por Afonso X o Sábio, o rei de Castela e Leão de 1252 até 1284. Ele próprio escreveu algumas cantigas e compôs alguns acompanhamentos deste cancioneiro sobre os prodígios e milagres da Virgem.
Dividem-se em dois grupos: as Cantigas de Nossa Senhora, que são um conjunto de histórias e milagres, e as Cantigas de louvor e elogio, cujo número é múltiplo de dez, e que são mais semelhantes à hinos sagrados, poemas de reflexão sobre a Virgem. Na sua qualidade de mãe de Jesus, e com a sua figura humana mais perto de nós do que pode estar a Trindad, tem um papel de intercessão e perdoa os pecados.
Atualmente, as Cantigas encontram-se em quatro lugares: um manuscrito na Biblioteca Nacional da Espanha que fica em Toledo, um no Escorial, perto de Madrid, e dois em Florença, na Itália.
Códices

Das Cantigas de Santa Maria há quatro códices conservados, procedentes todos eles da própria corte do rei Afonso X.
O Códice Toledano, que pertenceu à Catedral de Toledo até 1869 e que agora se conserva na Biblioteca Nacional de Madrid (ms. 10069), é a primeira coleção saída do escritório do rei, após 1257. Contém 128 composições com notação musical. São 160 folhas de pergaminho a duas colunas, em letra francesa do século XIII. Foram transcritas e reproduzidas em 1922 pelo musicólogo Julián Ribera.
O segundo códice, o mais rico, conserva-se na Biblioteca de El Escorial (códice J. b. 2), e contém 417 cantigas, ilustradas com 40 iluminuras, e leva notação musical. São 361 folhas de pergaminho escritas em duas colunas com letra francesa do século XIII.
Também se conserva no Escorial outro códice (J. b. 1) com 198 cantigas, notação musical e 1275 iluminuras agrupadas em lâminas de seis quadros, que dão à obra um grande valor iconográfico e pictórico. São 256 folhas de pergaminho escritas em duas colunas com letra francesa do século XIII.
O códice de Florença, conservado na Biblioteca Nacional desta cidade, contém 104 cantigas, das quais duas não aparecem nos outros códices e outras oferecem variantes de certo interesse. Está incompleto, faltando estrofes, ficando por desenhar muitas vinhetas e com as linhas de notação musical em branco. São 131 folhas escritas com letra gótica do século XIII e geralmente em duas colunas.

A FUNÇÃO POLÍTICA DAS CANTIGAS DE SANTA MARIA NO REINO DE AFONSO X

“A sensorialidade presente nas Cantigas de Santa Maria vai de encontro ao controle dos sentidos – através dos dogmas cristãos – empreendido neste século XIII, que marca a consolidação do movimento reurbanizador iniciado nos séculos precedentes e uma irrupção do maravilhoso 4, recuperado justamente pela literatura. Deste modo uma ligação afetiva entre rei e súditos se forja por esse viés da mirabilia – o próprio rei é um monstro. O rei encarna o trovador, numa tradição cavalheiresca cristianizada. O castelo se torna o locus de poder, com a tradição de festas, luxo, estética e narrativa; enfim, a vida cortesã em plena efervescência.
Daí as Cantigas de Santa Maria serem consideradas uma catedral – grande símbolo do rei e da cidade – do saber. O século XIII é o auge do gótico, que traz uma apologia da individuação e da regionalização. É a afetividade espiritual, expressa através da luz e da ideia cristocêntrica cuja imagem mais próxima é justamente a do rei. No caso de Afonso X a humanização gótica se expressa nos louvores à Maria, que se faz humana diante dos fiéis, assim como seus opositores – os infiéis, que ganham nítido cariz, que será analisado posteriormente.
Em sua tese de doutorado, Bernardo Monteiro de Castro (2006) tem como hipótese central a classificação das CSM como uma obra literária inserida no estilo gótico. Porém, adota uma postura essencialista ao analisar o movimento, dizendo que ele não é “imune a influências morais e ideológicas, mas é fruto de um impulso criador espontâneo e autônomo, traduzindo a necessidade ontológica de se representar as novas percepções que se adquirem”. (CASTRO, 2006, p.27). Ele assume a arte como inovadora, espontânea e subjetiva, mas sem levar em consideração o peso que as demandas sociais tiveram neste processo.
Não se pretende aqui fazer uma correlação automática entre arte e sociedade, mas o contexto social de produção artística não pode ser de modo algum colocado em segundo plano. O mesmo ocorre com as CSM, que não serão vistas aqui como mera obra literária de grande vulto à sua época – até porque o conceito de arte é discutível para o período; ao contrário, ela será dissecada como ponte dialogal entre um projeto de centralização política em concomitância com a marginalização de determinado grupo étnico na sociedade castelhana-leonesa do século XIII.
Ainda que possua características escolásticas como os versos metrificados e ritmados, “argumentação de testemunhos, garantindo a veracidade dos milagres relatados, unindo fé e razão, e a compartimentação lógica e explanatória das iluminuras e das ementas de cada cantiga cuidando da clareza dos fatos”, Castro relembra a influência pagã e folclórica na obra afonsina, incluindo as CSM, em que “as estruturas estróficas são claramente identificadas no padrão árabe do zejel”; além da abordagem em si de Afonso X aos feitos marianos, menos moralista que as religiosas. (CASTRO, 2006, p.41-42).”

http://seer.ufrgs.br/aedos/article/view/9854/5702 – Tese completa sobre as funções políticas em relação as Cantigas de Santa Maria no reinado de D. Afonso X.

Por Johny Andrade

Cantigas

CANTIGAS NOS DIAS ATUAIS!

O Trovadorismo foi a primeira manifestação literária da língua portuguesa, sendo as cantigas os principais registros da época. O marco inicial do trovadorismo deu-se com a “Cantiga da Ribeirinha” escrita por Paio Soares de Taveirós.

As cantigas eram escritas pelos trovadores (autores de origem nobre), eram cantadas e acompanhadas por instrumentos musicais dividindo-se em dois grupos: líricas (Cantigas de Amor e Cantigas de amigo) e satíricas (Cantigas de Escárnio e Cantigas de Maldizer).

Apresentaremos um resumo de suas respectivas características, e posteriormente exemplos de cantigas daquele período comparado com as músicas contemporâneas, para que assim mais próximo de nossa realidade obtenhamos uma melhor compreensão.

  • Cantigas de Amor: o “eu-lírico” é masculino, ou seja, um homem direcionando o seu amor, os seus sentimentos para uma mulher como uma figura idealizada e distante, mas nunca será correspondido devido pertencerem a diferentes níveis sociais (vassalagem amorosa). A palavra “coita” é frequente nas cantigas de amor que significa “sofrimento por amor”.

 

Na música do Seu Jorge – “Mina do Condomínio”, podemos perceber o “eu-lírico” masculino, o distanciamento e a  idealização da mulher, características presentes nas Cantigas de Amor:

  • Cantigas de Amigo: o “eu-lírico” é feminino. Retratava a vida nos arredores dos palácios, no campo. A temática gira em torno da saudade, lamento e choro, relacionado a um “amigo” (amado) que partiu para a guerra, que a abandonou para lutar como cavaleiro ou por outra mulher. As cantigas de amigo traziam a presença constante de um refrão e paralelismo.

Na música cantada por Adriana Calcanhotto – “Fico Assim Sem Você”, verificamos a questão de ser uma mulher cantando,  falando com “alguém” que tenha sentimentos especiais não de forma a demonstrar as intenções dela, associamos então as características das Cantigas de Amigo:

  • Cantigas de Escárnio: constituíam-se de uma crítica indireta, sutil, retratadas por uma linguagem mais velada.

Na música de Juca Chaves – “Atraso e Solução”, nota-se que ele critica uma mulher específica sem citar nomes, e faz uso de indiretas e ironias:

  • Cantigas de Maldizer: a crítica se dava de forma direta, mencionando o nome da pessoa. Eram compostas por uma linguagem repleta de palavrões e de baixo calão, como no caso da música “Dona Gigi” – Os Caçadores:

Atualmente percebemos a influência da literatura trovadoresca em poemas e letras de músicas contemporâneas, basta parar, analisar e notar as semelhanças.

 

FONTE: https://cantigas.jimdo.com/tipos_de_cantiga.php

Por: Erika de Souza